domingo, 9 de janeiro de 2011

Manhã avançada III

Ele falava. Desde o início que falava e nisso, realmente, a profissão de comunicador social assentava-lhe bem, na perfeição. E claro que começara por ter a sua graça naquele sítio tão desagradável. Convenhamos, ele falava bem (era um comunicador) e assumira a sua posição naquele fim de noite com algum encanto. Senão também não o teria deixado falar.
Mas a dada altura, quando o sol já declarara a manhã irrevogável, a desilusão era o meu problema, real, palpável. Creio que é sempre com algum terror que se faz semelhante constatação. Devia haver algum decreto, alguma lei, uma mísera portaria ministerial que fosse, que proibisse a desilusão.
Era inútil procurar respostas na minha lista de referências e suas atitudes em relação ao sexo e aos sentimentos porque aquele problema era meu. João não parecia ligar a nada, Margarida sabia quando via um homem e o queria ou não, Júlia Grei era já uma referência demasiado pesada para a tentar dissecar àquela hora da manhã, com tantas horas sem dormir e com tanto álcool ingerido. De nada me servia pensar neles, se a minha sina parecia ser comer desilusão da tigela que eu voluntariamente estendia a cada homem e cada homem com diligência enchia.
E isto porque a boca fragrante permanecia aberta, expelindo palavras atrás de palavras de louvor a mim, a ele, aos dois.
Dado o problema, uma coisa me restava: decidir.

1 comentário:

Luísa A. disse...

Consigo perceber o problema da desilusão. Tem-me atormentado já variadas vezes. Por isso este capítulo "hits home". Para mim o momento grande desta perfeita continuação foi: «e nada me servia pensar neles, se a minha sina parecia ser comer desilusão da tigela que eu voluntariamente estendia a cada homem e cada homem com diligência enchia.
E isto porque a boca fragrante permanecia aberta, expelindo palavras atrás de palavras de louvor a mim, a ele, aos dois.»