Caro sr. Julião,
Parti esta manhã. Sabendo que não o veria mais, mas não querendo que ficasse sem saber o efeito que em mim causou, decidi escrever-lhe.
A primeira vez que o vi foi na sala de jantar. Vi-o sentado à mesa, a escutar um outro homem. Fique sabendo que me causou forte impressão essa visão em plena sala de jantar, entre o leve tinir dos copos e dos talheres. O seu rosto arredondado e a sua barba espessa apesar de rente prenderam-me a atenção. Ali, à luz branca das cortinas.
Nos dias seguintes ficava toda contente se me cruzava consigo no corredor ou nessa mesma sala de jantar. Era a barba.
Pois esta carta tem um propósito específico, contar-lhe exactamente o que se passou há duas tardes atrás. Entrei vinda de um passeio que dera até à Sé e eis que o vejo num dos sofás da entrada, adormecido. O jornal aberto sobre os joelhos, a cabeça caída levemente para trás. A entrada vazia, o rapaz da recepção desaparecido. Aproximei-me.
Quando estava já muito perto, não resisti e estendi a mão. Afaguei-lhe a barba, sentindo-a tão forte, tão densa, tão negra sob os meus dedos. Gostaria de ter deixado os meus dedos afundarem-se nela, na sua barba, mas temi acordá-lo. Então afastei-me. Tremia.
Era isto que não queria que ficasse sem saber, que me aproveitei de um momento de sono seu para deixar que os meus dedos se deliciassem com a sua barba tão negra e espessa e da qual eles ainda conservam a memória.
Estou agora a caminho de Évora e nesta viagem em que venho acompanhando meu pai, creio não ter visto homem mais bem-parecido, com a barba que fosse tão bem com os olhos, o nariz, o sorriso.
Lamento apenas uma coisa: que com essas camisas, coletes e casacos tão chegados ao corpo, os meus dedos não lhe tenham podido tocar.
Creia-me sempre sua respeitosa amiga,
Mariana
Parti esta manhã. Sabendo que não o veria mais, mas não querendo que ficasse sem saber o efeito que em mim causou, decidi escrever-lhe.
A primeira vez que o vi foi na sala de jantar. Vi-o sentado à mesa, a escutar um outro homem. Fique sabendo que me causou forte impressão essa visão em plena sala de jantar, entre o leve tinir dos copos e dos talheres. O seu rosto arredondado e a sua barba espessa apesar de rente prenderam-me a atenção. Ali, à luz branca das cortinas.
Nos dias seguintes ficava toda contente se me cruzava consigo no corredor ou nessa mesma sala de jantar. Era a barba.
Pois esta carta tem um propósito específico, contar-lhe exactamente o que se passou há duas tardes atrás. Entrei vinda de um passeio que dera até à Sé e eis que o vejo num dos sofás da entrada, adormecido. O jornal aberto sobre os joelhos, a cabeça caída levemente para trás. A entrada vazia, o rapaz da recepção desaparecido. Aproximei-me.
Quando estava já muito perto, não resisti e estendi a mão. Afaguei-lhe a barba, sentindo-a tão forte, tão densa, tão negra sob os meus dedos. Gostaria de ter deixado os meus dedos afundarem-se nela, na sua barba, mas temi acordá-lo. Então afastei-me. Tremia.
Era isto que não queria que ficasse sem saber, que me aproveitei de um momento de sono seu para deixar que os meus dedos se deliciassem com a sua barba tão negra e espessa e da qual eles ainda conservam a memória.
Estou agora a caminho de Évora e nesta viagem em que venho acompanhando meu pai, creio não ter visto homem mais bem-parecido, com a barba que fosse tão bem com os olhos, o nariz, o sorriso.
Lamento apenas uma coisa: que com essas camisas, coletes e casacos tão chegados ao corpo, os meus dedos não lhe tenham podido tocar.
Creia-me sempre sua respeitosa amiga,
Mariana
1 comentário:
Tão bonito. Adoro a descrição da barba, como um amor platónico mas sensual. E fiquei apaixonada por esse homem misterioso. Adoro ela ter-lhe escrito, adoro simplesmente esta carta.
Assinado: Liz Lemon de Portalegre
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