segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

sala vazia com varanda.

Ainda assim, Catarina pensava nele de vez em quando.
Tu falavas de dramaturgia e todo eu me enchia de felicidade, como se em dramaturgia estivesse um mistério enfim desvendado. Penso em Catarina e em como ela pensava nele.
Havia tanta gente na tua vida. Mas tanta conversa de dramaturgia fez-me pensar que haveria um lugar para mim no meio deles.



Mas terei imaginado tudo?
Catarina não imaginou. Eu sim. E descubro que o meu mal-estar é com a minha própria fraqueza, com a ligeireza com que achei que à doçura de uma imaginação cheia de dramaturgia me poderia entregar.
Fim.

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Catarina 2

Catarina sabe que o que se passará a seguir. É realista o suficiente para o saber. Mas, por enquanto, não consegue deixar de pensar no que sente.
Por enquanto, ainda deseja o desaparecimento da estação de comboios, por onde ele partiu pela última vez.

terça-feira, 24 de setembro de 2013

Nedda e Silvio

uma vida de amor, calma e tranquila.

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Catarina

Está na hora de Catarina ter a sua história. Está na hora de Catarina deixar de se chamar Leonor e de estar presa num banco de jardim em Lisboa. As suas histórias nem são semelhantes. Não serão tão distantes como as de Margarida e de Joaquim, mas as semelhanças não invalidam que Catarina possa deixar de ser Leonor e possa estar sentada num banco de jardim em Faro. Em Faro, pois.
Há que ter algum cuidado no relato, não tanto pelo historial de terramotos da província, mas porque Catarina ainda agora deixou de ser Leonor e não queremos baralhar os detalhes, confundir estas histórias tão parecidas.
Para que terminem de uma vez as hesitações, lembremos que Leonor deslumbrava, saltitante, pelos bailes que o seu pai, o visconde de Lavínios, dava para celebrar o triunfo da causa constitucional. Estávamos por isso em 1834, talvez 1835, não sei quanto tempo se observou pela morte do imperador, ocorrida a 15 de Setembro. Foi por essa altura, num desses bailes, que Leonor se enamorou de Gonçalo, por quem muito penou.

quarta-feira, 31 de julho de 2013

cais das colunas

O que poderia ter sido, não o foi. Não criei impérios, mas imaginei um. Cheguei a imaginar um.
No Terreiro do Paço, chovia sem parar. Era uma chuva fraca e parva, mas não parava. Desde o início da tarde que chovia. O cair da noite apenas trouxe alguém, um casaco usado com calor dentro dele. Havia calor e palavras e calor e palavras secavam a chuva. (Tornavam-nos impermeáveis, tenho quase a certeza.)
Em nosso redor, apenas chão molhado e as luzes trágicas de uma noite reles de fim de Inverno. Em nós, moedas nos bolsos.
De uma cidade derramada pelos passeios e no chão do Rossio, nada simpático vinha. Nós com moedas nos bolsos e à nossa volta apenas o chuvisco frio e as luzes desfeitas nas poças e nos vidros molhados. Das janelas, das montras, das paragens. Tanta coisa desfeita, moedas nos bolsos e um casaco velho cheio de calor.
Jantámos cerveja. E o Terreiro do Paço era uma mancha escura, rodeada de arcadas de luz gélida. Chovia nessa praça de arcadas iluminadas a luz de casa de banho e com uma estátua entaipada.
As moedas de quatro bolsos todas juntas deram para jantar cerveja e algo que deveríamos fazer no momento estival, fazíamo-lo num início de noite de fim de Inverno, à chuva e ao vento. O casaco quente estava comigo e isso bastava, secando essa chuva e cortando esse vento. Em tanta coisa desordenada (arcadas, estátua, poças), o casaco quente era um abrigo, estendendo-me uma mão fina e amiga.
Nessa praça, chegámo-nos ao Cais das Colunas e, ainda que nenhum dos dois o dissesse claramente, traçávamos planos. Zarpar dali no nosso barquinho, que passava impávido a chuva e o vento. Desde o Rossio vínhamos empurrando um  barquinho e parecia estarmos num bom sítio para o largar.
No final de contas, tínhamos um casaco usado e moedas suficientes para jantar uma bebida fermentada. Éramos já heróis de uma pequena história e eu sei que foi ali, junto aos degraus ventosos do Cais das Colunas que foram traçados planos - e não apenas por mim. Planos de um império.
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Horas depois, retornámos ao interior da cidade, costas voltadas ao rio, de regresso aos ritmos do quotidiano, os projectos de império metidos num casaco ainda quente e em bolsos vazios. O barquinho ficara no cais. Despedimo-nos, com alguma chuva a humedecer-nos os cabelos, prometendo que a ele voltaríamos. E com ele a uma cartografia desenhada com a certeza dos afectos e a volatilidade da fantasia.

quinta-feira, 18 de julho de 2013

o quase fim

No fim, foi a mim que mais doeu. Parecendo que não, acabei por ser eu quem ficou com as fantasias e a imaginação.

quarta-feira, 3 de julho de 2013

o pasto na varanda

Antes tudo custasse tanto quanto aceitar uma cerveja com um à vontade de quem o fez toda a vida.
Conheço aquele olhar, já o vi noutros olhos. O meio sorriso que vai aparecendo a intervalos regulares. 
O rosto é sério e tem uma espécie de focinho proeminente. Vai-me fixando. Conheço aquele olhar. Gosto dele.
O rosto sério abre-me o apetite e de aceitar uma cerveja como se de lavar as mãos se tratasse até à varanda é um instante. É então que percebo que algo naquele rosto sério se assemelha a uma vaca que rumina calmamente. Mas não deixa de ter o seu encanto, numa noite em que tudo parece correr bem, tenho um copo nas mãos e um homem me devora com o seu olhar bovino.


terça-feira, 19 de março de 2013

meses depois.

Fora ensinado a pactuar com a mentira. Por isso, quis chorar ao conhecê-lo.

domingo, 3 de fevereiro de 2013

Recuperação de um texto antigo. Homenagem a LJ

Comece por escutar o ruído da rebentação contra as rochas. Quem pensou neste ser envidraçado sobre as rochas tinha a sensibilidade no lugar certo. Tal como estamos os dois agora a ouvi-lo, também Maria o ouviu. Aliás, à noite o ruído é perfeitamente audível nos quartos dos andares mais elevados. Por isso, acho que vale a pena escutar o ruído da rebentação. Sei que há quem diga que este hotel não devia existir. Compreendo esse ponto de vista, já que ao longo da praia se sucedem impecáveis casas baixas. Compreendo, mas não concordo. Este hotel está onde sempre deveria ter estado.
Quando Maria chegou, eu já cá estava. Chegou com a família, uma pequena corte de pais e irmãos. Havia algo na postura dela que de imediato me lembrou uma rapariga que tinha andado comigo na escola.
Eu estava cá com João. Margarida deveria ter vindo também, até tinha feito a reserva, mas na véspera de virmos decidira que não, que não era deitada na areia a olhar o vazio que queria passar aqueles dias. E não veio. Meteu-se no carro e foi passear o seu cigarro pelo país. Creio que sem itinerário definido.