sábado, 30 de outubro de 2010

Correio das leitoras #1

Enquanto ouvia música à saída da faculdade, senti cheiro bom de homem e fiz o jogo do "a próxima música dir-me-á o meu futuro amoroso". O que é que deu? "Too drunk to fuck".

Vânia M., Barcarena (via e-mail)

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

O Verão que não foi na Beira VII

Não era uma ilha, era uma gruta. Fim da história.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Na varanda, outros ocupantes

Pela sua situação, a varanda permite que as personagens que nela se movem se sucedam umas às outras, como se fosse num palco. Por isso, entraram e puxaram as cadeiras de verga para mais perto da grade, de forma a que cada um ficasse como mais lhe agradava: um ao sol, o outro à sombra com as pernas estendidas.
Sim, estava sol. Mas quanto à vista, mais valia abstraírem-se dela, que nada de muito agradável oferecia. Melhor era gozarem o sol pelo sol e olharem apenas o espaço até à grade. Era até bastante agradável e estavam em condições de falar.
- Parece-me que estou a ver aí um projecto amoroso em construção, não?
Sim. Se até cada um deles estava como queria, um ao sol, outro à sombra de pernas estendidas, aproveitando a tepidez outonal, que mais poderia ser?

sábado, 9 de outubro de 2010

O observado

Passa com o seu passo confiante e de não-quero-saber. Passa com o seu passo e é claro que atrai olhares quando passa, pelo menos um. Quando passa ao longo da sala, por entre as mesas, em direcção ao seu lugar - sempre o mesmo.
O que chama primeiro a atenção é esse passo desempenado quando passa e a roupa, sempre impecável, escolhida para atrair. (Tem de ser para atrair.) Isto para depois se reparar no corpo dentro do vestuário à medida. Depois na cara, enfim.
Claro que passa e atrai olhares. Claro. Pelo menos um.
Não é claro, mas parece quase natural que de tanta gente naquela sala, apenas fale com uma pessoa - sempre a mesma. Só uma. E que fume sozinho na varanda. Porque fuma sozinho na varanda, deixando que os vidros lhe permitam ser observado?
Claro que fuma sem olhar para o interior da sala. Assim como é claro que passa passando, sem olhar, sem querer saber, muito senhor de si, revelando cada dia como o seu guarda-roupa é interminável e tem todas as combinações possíveis e pensadas. Claro que há dias em que passa com a barba por fazer, para atrair olhares, tal como é claro que nem sempre tenha os óculos postos quando passa. Para atrair olhares. Pelo menos um.
Gostaria ao menos de saber se a confiança lhe passa do corpo para a roupa ou da roupa para o corpo. Porque enfim, se passa... Que passe, que passe.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Pedro e Carolina II

Na espécie de guerra fria em que o casamento de Pedro e Carolina se foi tornando, a irmã daquele que fora um dos mais badalados escritores da capital encontrou as suas maneiras de resistir. O que até não é de estranhar, pois ela era ainda a criatura irresistível que por aí se passeava, que punha e dispunha e que o jeito titubeante do médico soubera cativar. O riso de Carolina, a forma que tinha de dizer "não fique atrapalhado, doutor" - isto para recuperar uma frase da noite de máscaras em que se conheceram.
Qualquer biógrafo atento terá de registar que Carolina não deixou nunca de praticar o alemão. Lendo, escutando discos, escrevendo e até, se possível, falando. A explicação é simples: Carolina assegurava-se de que Pedro não tinha acesso a, pelo menos, uma parte da sua vida.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Crónica lisboeta: Pedro e Carolina

Lembrei-me de Pedro Vasques, o médico do Chiado, não tanto pelas suas particularidades, mas pela singular mulher que tomou como sua, Carolina.
A história de Pedro e Carolina começou em 1925 e os seus episódios primeiros foram de uma doçura comovente. Conheceram-se num baile de máscaras dado no palacete que a viscondessa de Lima Campos tinha no Campo Grande.
Nessa noite ela estava comprometida com um outro Pedro, que não a acompanhara. O Dr. Vasques sentiu-se irresistivelmente atraído por aquela beleza, aquele cabelo ruivo, pelo ar tristonho dela. E arriscou falar com ela, num momento em que ela fixava absorta o conteúdo da sua taça de champanhe.
Foi bonito, com a música da banda servindo de fundo à troca de palavras. A abordagem do médico não foi a mais brilhante, facilmente atrapalhável, tendo sido tosco ao ponto de juntar a palavra "médico" no momento de dizer o seu nome. Isso bastou para que ela lhe começasse a chamar "doutor", algo que nunca deixou de fazer. Ela gostou do galanteio, daquele ar meio ingénuo.
É arrepiante pensar que ao fim de poucos anos de casamento, Carolina se apercebera de como Pedro era medíocre. E como se operara nele tanta mudança, ele que antes de a conhecer a ela e à sua espontaneidade, tivera o choque de arranjar uma noiva suicida?