sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Pedro e Carolina 4

Tomás e Carolina foram felizes ao crescer na casa com a enorme magnólia no jardim das traseiras. A infância e a juventude passaram-lhes sem grande comoção (tirando a própria das idades, dos amores de adolescente, por exemplo). Não houve morte, acidente trágico ou qualquer outro acontecimento traumático que tenha vindo perturbar o ar sereno e perfumado daqueles salões e daqueles quartos. Passou por lá, sim, uma preceptora alemã, a quem Carolina foi buscar a fluência na língua e que em 1915 abandonou o país, não sem atrair alguns olhares sobre a família.
Dessa infância aparentemente plácida, Carolina e Tomás emergiram bonitos e delicados, os dois partilhando uma mesma forma de olhar as coisas e as pessoas. Expressões de indiferença, traídas de vez em quando por um súbito brilho no olhar ou uma gargalhada irreprimível, com isso causando basta irritação.
Com quarenta anos, e apesar de Pedro, Carolina teria ainda esses risos, a gargalhada fina. Aliás, Pedro motivaria parte deles. Olhava-a de esguelha, irritado, nem sempre sabendo por que se rira a mulher. Sem a confrontar, no entanto. Nunca foi com ela violento, nunca lhe levantou a voz. E talvez aí tenha residido grande parte da sua brutalidade enquanto marido. Estou em crer que, de alguma forma, ele sempre a temeu e a partir de determinado momento deixou de saber lidar com esse temor. A verdade é que ele a amara, amou-a quase desde o primeiro momento, amou-a definitivamente quando ela finalmente acedeu a recebê-lo no jardim de Inverno e ele viu-lhe nos olhos o choro recente. Para ele, Carolina constituiu sempre um mistério. Mesmo quando ela lhe disse "Doutor, não sei o que é a perfeição, mas certamente nunca estarei mais perto dela do que consigo", que era - diga-se - a maior declaração de amor que Carolina podia fazer. Esse mistério que nela via, sempre o impressionou. Volta e meia surpreendia-se, seria possível que aquela mulher delicada que ele conhecera numa mascarada no Campo Grande gostasse dele, o quisesse, tivesse aceitado tornar-se sua mulher? E com essa persistente questão, o medo chegava célere. Um medo que ele não se atrevia a articular, nem para si mesmo. A vida profissional e social começou a correr-lhe bem e, mais tarde, veio a dar a decisiva entrada nos círculos políticos, o que lhe insuflou grandemente o ego. E assim foi arranjando um refúgio contra os receios que a existência e a presença de Carolina tinham acabado por causar, sem que ela o percebesse logo.

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