domingo, 27 de maio de 2012

Hotel na areia 13

Dói-me. Eu quero reter a imagem dessa tarde feliz, a tarde que se seguira à manhã passada na cama, a cama onde eu lhe pudera sentir na boca o sabor da manteiga das torradas do pequeno-almoço. Tal como essa tarde luminosa e fresca se sobrepusera à manhã de chuva, eu quero que a imagem dessa tarde se sobreponha à lembrança dessas quentes noites lisboetas em que eu sonhava pelas janelas abertas. Angustiava.
Nessa tarde fresca e feliz, ele falava muito, eu falava muito. Éramos bonitos juntos, todo aquele dia era beleza. Ele vestira um pólo branco de mangas curtas eu não deixara de reparar como, com os óculos escuros da moda e o sorriso branco e saudável, parecia saído de um anúncio. Todo aquele dia era beleza.
Mas se ele falava muito, não ousara ainda dizer o que queria dizer. Limitava-se a sentir e a satisfazer-se com o que sentia, com o meu sorriso e as minhas palavras saídas de uma banheira solitária.

terça-feira, 22 de maio de 2012

Hotel na areia 12

Eu achava que estava de alguma forma a ser ingrato. Quem conduzia aquele automóvel era o homem de pele morena que ao fim de alguns encontros - cafés, cinemas, exposições, copos - me presenteara com um retrato meu feito a carvão. Era a sua tentativa de me impressionar, que eu achava adorável, e de me transmitir algo.
Agora eu sentia que estava a ser ingrato por a ternura que sentira para com o retrato só me parecera possível numa tarde em que céu estava repleto de farrapos brancos de nuvem. Fora isso que ele, o condutor, me pedira? Era isso que ele me pedia naquele momento, ali naquele carro? Eu dizia para mim mesmo que não sabia e procurava focar-me no sorriso dele, no mar, no guia, no falatório.
Não me pergunte se fora isso que ele me pedira. Você sabe. Mas que fazer quando o nosso pensamento - com vontade próprio - foge para outro sítios. Aquela tarde no automóvel não garantira nada. Foi bom parar em várias praias e povoações pitorescas, havia uma imagem de felicidade em tudo aquilo. Às tantas parámos junto a uma falésia e ficámos parados a olhar o mar, o vento fustigando-nos. Sei que ele se chegou a mim, sei que lhe passei o braço à volta do ombro. Sei que me sentia pequeno naquela imensidão e agarrava-me a ele como que tentando agarrar-me a algo cujas reminiscências preenchiam aquela tarde.
Que fazer quando o pensamento, motivado por sentimentos ziguezagueantes, toma a direita quando queríamos a esquerda. O mesmo pensamento que em Lisboa saía pelas janelas abertas do apartamentos nas noites quentes de fim da Primavera.
Vejo a sala escura, a luz do luar entrando pelas janelas, desenhando trapézios esbranquiçados no chão. Eu no sofá, deitado, olhava os quadrados abertos para a rua e queria sair por eles. O homem dos calções de banho vermelhos dormia no quarto, eu ouvia-lhe a respiração. Esse som era um lembrete angustiante. Porque o pensamento saía pelas janelas e queria saltar pelos telhados até ao outro lado da cidade.
O mesmo pensamento.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Hotel na areia 11

Algo dói em mim quando penso nessa tarde na costa do granito rosa. Tudo tinha um ar lavado devido à forte chuva que caíra. O céu não estava limpo, apenas o suficiente para nos lembrar que sempre era Verão. O Verão mais húmido de sempre, sobretudo quando tínhamos deixado uma cidade que abafava e, em nossa casa, nem uma brisa entrava pelas janelas abertas. A tarde estava luminosa e fresca. Ele conduzia (algo que nos dias anteriores me deixava desconfortável) e levava parte da cara escondida pelos óculos de sol da moda. Conversava muito, todo bem disposto, eu olhava para ele e só via os dentes brancos felizes e os óculos de sol que faiscavam naquela tarde luminosa depois da chuva. Eu não podia deixar de sorrir perante esse quadro. Naquele automóvel, a felicidade era um corpo. A estrada costeira serpenteava à nossa frente, o mar acompanhava-nos pela direita e eu sorria, enquanto discutíamos as informações do guia em grande galhofa.
Eu pensava em como tínhamos chegado ali - como é que de um encontro num cinema das Avenidas Novas fôramos parar a uma estrada costeira na Bretanha.
Já referi que durante alguns dias após o primeiro encontro não o voltei a ver. Já percebeu que todo eu era embevecimento, mas tive medo de forçar novo encontro através das tais amizades comuns. Ainda divaguei acerca dele junto de um amigo ou dois, mas estava disposto a render-me ao ritmo dos acasos e dos desencontros; não contava vê-lo, ainda que gostasse da ideia.
Creio que passaram duas semanas até que encontrei na rua uma amiga que dele vinha acompanhado. Sei que me juntei a eles e no final desse dia o estudante de Desenho me deu o número, dizendo que gostava me voltar a ver.
Eu bem disse que o destino fora comigo complacente.