quinta-feira, 26 de abril de 2012

Hotel na areia 9

Irreversível. Tão irreversível como uma noite de Março. Naquela escuridão diurna, o homem moreno que tinha uma seara de pêlos no peito e outra no baixo-ventre pedia de mim apenas uma coisa. Ele não o dizia. Já o dissera. Fora mesmo com isso que nos levara até ali. Antes de sairmos de Lisboa tinha dito:
- O que nós precisamos é de uma férias longe de tudo. Uns dias, apenas.
Estas frases eram ditas imediatamente após mais uma cena de gritaria e choro, que naqueles dias tendiam a repetir-se. Por esses dias, o que me parecia é que ele não se calava nunca. Falava até muito para alguém que, chegado a um areal bretão, faria largo uso do silêncio.
- Férias? Para quê?
Instalados junto à praia, ele limitava-se a falar de banalidades, de factos da vila e da região que coligira na sua pesquisa e, de vez em quando, recordava alguma coisa do nosso passado. Mas pouco. Eu percebia que ele fazia aquilo com um propósito - falando pouco, limitava-se a existir junto de mim. Era uma estratégia nova para que eu fizesse o que ele queria. Ali, isolados do mundo, eu deveria perceber o que havia de tão importante e vital entre nós. Eu acedera a fazer a viagem, no fim de contas.
Quando fazia as malas em Lisboa, desejava ardentemente que aquelas fossem as malas que eu preparava para a minha saída daquela - da nossa - casa.
- Estive a ver sítios. Seria como um retiro. - Ele estava sentado no sofá, a cabeça nas mãos, os olhos gastos de chorar, enquanto ao caminhava furiosamente de um lado para o outro. Furioso e sem saber o que fazer. Ou sem coragem para o fazer.
O que sei é que dias depois metíamos as malinhas no carro e partíamos para Saint-Michel.
Ele só queria que eu o amasse e eu limitara-me enfiar uns pares de calças num saco de viagem.

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