quarta-feira, 21 de março de 2012

Hotel na areia 7

Pensar naquela noite de Março só aumentava a minha tristeza e a minha raiva contra aquela praia estúpida.
Porque naquela noite distante, ao passar por um jardim perfumado, eu já sabia que todo eu queria ser dele. Com uma certeza descabida e ingénua. Há um livro a que gosto de regressar, um que se passa na Rússia rural e onde uma rapariga se apaixona pela primeira vez por um desconhecido acabado de chegar. Ao chegar a casa naquela noite, eu era essa rapariga, com o peito cheio e a cabeça presa numa só imagem. Confesso que desejei ter o cenário romântico de uma grande casa de campo perdida na noite para condizer com os meus sentimentos. Poderia então sentar-me e escrever uma longa carta, tal como essa rapariga tinha feito...
Não, não escrevi carta nenhuma. Foi tudo muito mais banal. Aliás, ainda fiquei alguns dias sem o voltar a ver e pensei que poderia mesmo perder aquele encantamento sonhador em que ele me deixara. Mas o destino foi complacente com as minhas fantasias.

Eu recordava tudo isso na banheira para onde mergulhava depois da praia e de ver os calções de banho vermelhos caírem no chão do quarto. Deixava-me ficar longamente na água fumegante, as pontas dos dedos encarquilhadas, pensando em cinemas de reposição, pastelarias esbranquiçadas e jardins perfumados. Nesses momentos, a calma no quarto era absoluta. Ele, que estava sempre a tentar iniciar conversas, ficava, depois da praia, estendido na cama e bastante calado. Eu sabia. Só me apetecia deixar-me escorregar até ficar com a cabeça submersa (cheguei a tentá-lo, mas sem coragem para prosseguir - era um gesto estúpido). Eu sabia, por saber só me apetecia que me escorresse uma lágrima cara abaixo para que esse conhecimento ficasse bem expresso. Mas escorria apenas a água quente do banho.
Da banheira não o via, mas conseguia imaginá-lo na cama, completamente relaxado. Conseguia imaginá-lo a sair da cama e caminhar, toda a pele morena e todos os pêlos a descoberto, até à janela. Se fosse um fumador, estou certo de que sacaria de um cigarro e o acenderia com ruído. Confiante no progresso que acabava de ocorrer.

1 comentário:

Ana disse...

Começo a ficar sem nada para dizer. Porque é difícil desligar-me suficientemente do que vejo enquanto leio para me dirigir ao autor. Adorei tudo simplesmente. A cena da banheira foi particularmente intensa e, pode parecer estúpido, mas quase senti a água. Se calhar é isso que acontece quando as palavras pintam tudo de forma tão vívida. Adorei o pormenor final de que se fosse um fumador teria acendido um cigarro de forma barulhenta. Não sei, há pequenos detalhes que tornam tudo muito realista. Como esses pequenos comportamentos humanos que são associáveis a intenções e pensamentos. Como quando pensa em afogar-se ou apenas chorar.