quinta-feira, 15 de março de 2012

Hotel na areia 5

Eu olhava para aquele homem e tentava encontrar-me nele. Juro que tentava. No fundo, aqueles dias não foram mais do que isso - uma tentativa de reencontro.
Irritava-me comigo mesmo por olhar para ele e não me encontrar. No entanto, ele ali estava. Ainda.
Ainda.
Apesar de uma força destrutiva que se interpusera entre nós. Hoje não tenho outro nome para isso. Na altura, confesso que tive. E também por ter, aqueles dias na praia foram um tormento. Para mim e para ele.
Eu sabia como era o sorriso dele, um sorriso cheio, daqueles que até fazem covinhas. Fora esse o sorriso. O sorriso e os olhos tão redondos que até ele me levaram. Nesses dias cinzentos da costa bretã, eu lembrava esse sorriso e esses olhos - lembro ainda.
A nossa vida tinha tudo quando um homem que usava calções de banho azuis apareceu. Odeio-o, como odeio muita coisa nesta vida, e sei que o ódio significa que há ainda muito por resolver.
É que eu tinha uma vida, essa tal vida que tinha tudo. A nossa vida não era perfeita, mas era completa, estávamos no momento certo, um momento que nessa condição de certo se prolongava indefinidamente. Os olhos e o sorriso das covinhas eram meus. Havia uma casinha. Havia tudo o que queríamos. Um trabalho demorado que progredia constantemente.
Era com tudo isso que eu me confrontava naquele quarto de hotel. Anos e anos metidos num quartinho. Todos esses anos e ele.
Ele fixava-me longamente e eu tentava evitar o seu olhar. Aliás, tentava evitá-lo de todo. Nos dois primeiros dias que se seguiram à nossa chegada, eu tentava sair da cama cedo. Era uma tarefa difícil quando tudo era tão húmido e triste e na cama havia um corpo quente. Mas fazia esse esforço, com medo de passar tempo com ele. (É verdade, receio o confronto.) No entanto, a terra era pequena e não havia muito que fazer. Quanto a pegar no carro, não tinha coragem - não tinha coragem de o deixar sozinho. Por isso, ao fim desses dois dias, passei a deixar-me estar na cama e a seguir com ele para a praia, livro na mão e tronco coberto.

1 comentário:

Ana disse...

Que angústia terrível com que me estas a deixar. Primeiro, apaixonei-me pelo moreno, mas já estou a viver através da personagem uma chama apagada. E é tudo tão triste e frustrante, mas pior: compreensível. A linguagem liga-me às personagens de uma forma quase íntima.