terça-feira, 1 de março de 2011

Epílogo de uma história para acalmar

É verdade, nessa manhã as lojas não abriram. As lojas fechadas e eu na rua, fazendo o inverso dos outros. Nessa manhã, subi aquela rua. Atravessei depois uma pequena praça, subi ainda outra rua e depois outra, depois outra. Sei que algures no caminho fiz um desvio, mas não me recordo exactamente onde.
Subi essas ruas, fingindo não saber para onde me dirigia. Tinha as mãos nos bolsos do casaco, fingia que tinha frio. Caminhava. E é também verdade que ao meu lado caminhava uma voz. Uma voz que tinha pernas, braços, um tronco, uma cabeça. Apesar desses detalhes físicos, era a voz que eu ouvia enquanto subia rua atrás de rua, fingindo não saber para onde me dirigia. Porque a voz não se calava. Ela não percebia o valor, a beleza do silêncio, especialmente numa manhã como aquela, em que o ar era frio e esbranquiçado. Se caminhávamos nessa manhã de lojas por abrir, mais valia que fosse em silêncio, essa criação tão subestimada. Há certos momentos em que a palavra falada simplesmente não é bem-vinda, por ser uma hábil assassina. Mas a voz - era uma voz ignorante, claro - não se calava. E dava-se ao luxo de ser uma voz sensível, que reagia mal ao meu sarcasmo. Por isso eu tentava concentrar-me nas pedras da calçada, nas lojas fechadas, no ar frio e esbranquiçado. Fingindo não saber para onde me dirigia, esperava que não faltasse muito para lá chegar.

1 comentário:

Luísa A. disse...

Para além de um pequeno LOL pessoal, acho lindo. Gosto da pose dele, do fingir que tem frio e do contraste dele e dela. A ignorância da voz a quebrar aquele momento. Fez-me pensar na Costa e no contraste das mulheres do Stella Maris em comparação com a Evita.