quarta-feira, 31 de julho de 2013

cais das colunas

O que poderia ter sido, não o foi. Não criei impérios, mas imaginei um. Cheguei a imaginar um.
No Terreiro do Paço, chovia sem parar. Era uma chuva fraca e parva, mas não parava. Desde o início da tarde que chovia. O cair da noite apenas trouxe alguém, um casaco usado com calor dentro dele. Havia calor e palavras e calor e palavras secavam a chuva. (Tornavam-nos impermeáveis, tenho quase a certeza.)
Em nosso redor, apenas chão molhado e as luzes trágicas de uma noite reles de fim de Inverno. Em nós, moedas nos bolsos.
De uma cidade derramada pelos passeios e no chão do Rossio, nada simpático vinha. Nós com moedas nos bolsos e à nossa volta apenas o chuvisco frio e as luzes desfeitas nas poças e nos vidros molhados. Das janelas, das montras, das paragens. Tanta coisa desfeita, moedas nos bolsos e um casaco velho cheio de calor.
Jantámos cerveja. E o Terreiro do Paço era uma mancha escura, rodeada de arcadas de luz gélida. Chovia nessa praça de arcadas iluminadas a luz de casa de banho e com uma estátua entaipada.
As moedas de quatro bolsos todas juntas deram para jantar cerveja e algo que deveríamos fazer no momento estival, fazíamo-lo num início de noite de fim de Inverno, à chuva e ao vento. O casaco quente estava comigo e isso bastava, secando essa chuva e cortando esse vento. Em tanta coisa desordenada (arcadas, estátua, poças), o casaco quente era um abrigo, estendendo-me uma mão fina e amiga.
Nessa praça, chegámo-nos ao Cais das Colunas e, ainda que nenhum dos dois o dissesse claramente, traçávamos planos. Zarpar dali no nosso barquinho, que passava impávido a chuva e o vento. Desde o Rossio vínhamos empurrando um  barquinho e parecia estarmos num bom sítio para o largar.
No final de contas, tínhamos um casaco usado e moedas suficientes para jantar uma bebida fermentada. Éramos já heróis de uma pequena história e eu sei que foi ali, junto aos degraus ventosos do Cais das Colunas que foram traçados planos - e não apenas por mim. Planos de um império.
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Horas depois, retornámos ao interior da cidade, costas voltadas ao rio, de regresso aos ritmos do quotidiano, os projectos de império metidos num casaco ainda quente e em bolsos vazios. O barquinho ficara no cais. Despedimo-nos, com alguma chuva a humedecer-nos os cabelos, prometendo que a ele voltaríamos. E com ele a uma cartografia desenhada com a certeza dos afectos e a volatilidade da fantasia.

quinta-feira, 18 de julho de 2013

o quase fim

No fim, foi a mim que mais doeu. Parecendo que não, acabei por ser eu quem ficou com as fantasias e a imaginação.

quarta-feira, 3 de julho de 2013

o pasto na varanda

Antes tudo custasse tanto quanto aceitar uma cerveja com um à vontade de quem o fez toda a vida.
Conheço aquele olhar, já o vi noutros olhos. O meio sorriso que vai aparecendo a intervalos regulares. 
O rosto é sério e tem uma espécie de focinho proeminente. Vai-me fixando. Conheço aquele olhar. Gosto dele.
O rosto sério abre-me o apetite e de aceitar uma cerveja como se de lavar as mãos se tratasse até à varanda é um instante. É então que percebo que algo naquele rosto sério se assemelha a uma vaca que rumina calmamente. Mas não deixa de ter o seu encanto, numa noite em que tudo parece correr bem, tenho um copo nas mãos e um homem me devora com o seu olhar bovino.