domingo, 13 de dezembro de 2009

Carta num repente: da memória

Podes ir. Vai. Quando fores, passarei uma esponja sobre tudo. Felizmente para nós, para ti, para mim, a memória é brumosa, como diz o hino nacional. Se até o hino consegue colar tal princípio a toda uma nação, limito-me a fazer o que é suposto: a deixar que as brumas da memória tomem o seu lugar.
Desejo que ninguém te conheça, não quero que reste sequer um esboço das tuas feições, um eco vago do teu nome. Não chegarei ao extremo de desejar que sejas uma versão humana do hotel Stella Maris para que com o desaparecimento de todos os que te conheceram desapareça a memória da tua existência. Isso não.
Mas que passe um dia, uma semana, um mês, uma estação. Para que a cadeira onde te sentaste deixe de ser a cadeira onde te sentaste para ser apenas uma cadeira onde entretanto tantas outras pessoas se sentaram. Para que o teu casaco deixe de ser o teu casaco e seja somente um casaco feito e vendido em série. Tão simples quanto isto.
Que até o meu tacto se esqueça, o toque algo mole e excitante da tua cintura.

Oh, escuta: passa uma canção nova na rádio. Já nem sei quem tu és.

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