segunda-feira, 28 de setembro de 2015

saída

Sobre a porta do frigorífico da casa da Avenida Guerra Junqueiro, havia uma superfície para escrever. Às tantas, alguém lá deixou as seguintes palavras: "hoje somos livres".

segunda-feira, 8 de junho de 2015

domingo, 31 de maio de 2015

A segunda dirige-se à primeira 3

Ganhou. Você ganhou.
Como eu sempre soube que aconteceria, mas como esperava que não acontecesse.
Sua criatura bizarra e espertalhona. E sortuda. Porque eu sei - todos sabemos - que o que tem entre as pernas em muito ditou o seu destino. Tanto então, como agora. Como sempre.
Um dia eu irei escrever sobre Ritinha e talvez encontre um pouco de si nela, nessa mulher adulta que conservava nome de criança. Escreverei sobre Ritinha quando o seu minúsculo cão invadir o quintal da casa do coronel. Será nesse momento que Camila Santiago travará conhecimento com Ritinha. Quando ler as palavras escritas sobre essa divorciada que escolhera viver o ano inteiro numa casa de férias, talvez nelas se reveja, nem que seja um pouco. Porque a dor de Ritinha me merece mais simpatia, mais respeito e você vai sentir-se provocada por essas frases e palavras. Vai odiar Ritinha por Ritinha não ser como você.

sexta-feira, 29 de maio de 2015

what kind of man loves like this

Não estou a passar bem. E por isso importa começar este registo. Para tentar compreender as nódoas que caíram no melhor pano. Porque caíram e se expandiram. E eu via-as cair. E pensava que se simplesmente não pensasse, elas deixariam de existir. Que erro. Que ingenuidade. Mas também que amor, que devoção - eu sei que foram eles que neste caminho sempre me conduziram. A minha reverência que era tanta, que com medo acabou por se confundir. Amalgamados. Como nós éramos e eu queria que fôssemos. Não consigo evitar sentir uma tremenda comoção quando penso nisso.
Vejo agora com clareza como fui levado a aceitar determinadas situações. Que pouco ou nada tinham de razoável. Talvez aí já violência. Na troca desigual de pedidos e exigências. Tudo normal, tudo natural, diziam-me. Ou como o amor significava isto ou aquilo. Abnegação, devoção. Diziam-me. Que eu tinha e com alegria. Por isso tudo aceitava, mesmo as contrariedades, mesmo que sob formas incompreensivelmente explosivas. Para mim era tudo natural. Ou devia ser.
Mas da desigualdade se fizera hábito. De um não falar, de o outro dissertar longamente sobre supostos erros. Tantos erros. Mas nunca seus. Se seus, só se por ser demasiado bom. Daí a impossibilidade de confronto. Impossível. A verdade é que o dito não era bem-vindo, por isso mais valia que ficasse por não dito. Nada deveria ser contestado. A situação era a que nos era apresentada desde início e nada devia mudar.
Apercebo-me da possível falta de clareza deste texto. Mas também só lentamente os contornos da dor se vão tornando claros.
Menos um.
Não consigo compreender tanta violência. Como foi ela possível, de onde veio ela.
Creio que no fundo sempre soube que essa violência existia (eu sabia que ela existia), nunca pensei testemunhá-la (temia esse dia). Nunca pensei vir a ser o seu alvo.
Mas também ela tem a sua explicação. A impossibilidade de se confrontar consigo próprio e as suas falhas, no que a situação imposta e não contestada poderia ter de nocivo para os outros. E tanto me falavam do outro, do outro. Que eu anulava e não devia anular. Diziam-me. Que eu não sentia anular (se todo eu era devoção), mas que aparentemente anulava.

quarta-feira, 27 de maio de 2015

(Flores de laranjeira)

Tudo é névoa. Quero rir e chorar.
O terceiro acto que vai começar. Tanto amor e um penhasco. Tanto amor e tantos penhascos.
Já vai sendo altura de terminar a história deste corpo jovem e belo, mas morto. Este corpo que, uma vez cosido novamente, será humildemente vestido e irá a enterrar coroado de flores de laranjeira, a flor das noivas.


"And if I loved him through and through
(true love and not a passing whim)"
(Rose em Ruddigore, acto I)

o cais.

Sou como Pinaira, que tudo vê e nada diz.
Pinaira que abre a boca para destruir.

quinta-feira, 14 de maio de 2015

Flores de laranjeira

Podem colocar aqui o corpo. Aqui mesmo. Um corpo tão jovem e tão belo, que custa a acreditar que possa estar morto.
Comecemos por limpá-lo, para que as suas feições se tornem mais nítidas. Mais do que nunca, é importante percebermos o desenho do rosto, o recorte das orelhas. Tão jovem, tão belo este corpo.
Bisturi.
Abro este corpo com reverência, aquela que é devida à sua beleza e à juventude, a tudo o que ele representou em vida.
Reparem como o seu interior é desconcertante. Reparem como dentro do mais belo invólucro se podem alojar as mais bizarras entranhas.