quarta-feira, 23 de abril de 2014

Pedro e Carolina - interlúdio

Não consigo deixar de encontrar alguma beleza delicada nesta história, nem que seja pela ingenuidade. Os diálogos são, na grande maioria, elementares, coisas que só aos dezassete anos alguém acharia possível dizer. Mas há um sentido de drama, de estrutura. A história de Tomás e Leonor é aquela que se destaca, pela sua qualidade ligeiramente superior. É também ela que motiva um digno fechamento dos três actos. No primeiro, a complicação da situação com Tomás a escrever a Leonor ao mesmo tempo que recebe uma carta de Maria Teresa. No segundo, a fuga de Tomás e Leonor e o que tem Miguel a dizer acerca disso. A cena em que Leonor procura Tomás no baile e depois aquela em que se declaram um ao outro têm o seu brilho. É possível fazer algo deles?
A história de Pedro e Carolina torna-se muito secundária, limitada a uma sucessão de cenas espaçadas em que ele se tenta dela aproximar e ela, com toda a ligeireza, o vai afastando e aproximando. O encanto de Carolina também estava aí e é claro que ela sabia fazer uso das suas habilidades. Ela sabia até onde podia ir. Lia os outros muito bem, especialmente o efeito que neles tinha e agia em conformidade. Enfim, nem sempre. Sabe-se que o fim da relação com o outro Pedro foi um golpe duro. Não totalmente inesperado, mas ainda assim duro. A sua dor foi genuína, tal como também andava já encantada por um certo médico do Chiado chamado Pedro. Não se podem negar os sentimentos de Carolina. Há é que saber conjugá-los com um ligeiro calculismo, um distanciamento nem sempre voluntário, que lhe surgira algures ao crescer na casa da magnólia. Teria sido no ar da casa? Na educação recebida? Pois Tomás partilhava dessas características. O ímpeto e o gesto dramático viviam paredes meias com um atento olhar sobre as situações. Só isso explica a fuga para Paris, sabendo o que isso causaria.

Pedro e Carolina 7

Pedro e Carolina falavam de tudo. Quando decidiram ficar juntos, não se largavam. Foi já nos braços de Pedro que Carolina leu a carta que a sua prima Rita lhe remetera do Porto, dando-lhe conta da sua instalação definitiva na cidade, bem como da confirmação do casamento com um tal João Edgar, das relações das primas que visitara um mês ou dois antes. Como tinham Pedro e Carolina galhofado em torno dessa missiva. Como galhofavam então de tudo. Acompanhado com um interesse genuíno e partilhado a viagem de Tomás por Itália, também ela relatada por cartas (estas mais curtas que a de Rita) que iam chegando à casa com magnólia no jardim. Dos dois se fizera um.

A terceira dirige-se à segunda

Deixe estar, é melhor que não me conte nada. Com tanta complicação, prefiro não saber.
Eu já decidi que comigo vai ser diferente. Já decidi o que fazer e começarei por aí mesmo. Não vou saber, não vou querer saber de nada.

quinta-feira, 17 de abril de 2014

L'Arlésienne

L'Arlésienne é uma peça de teatro em três actos de Alphonse Daudet, extraída de uma novela das suas Lettres de mon moulin.
A personagem do título nunca aparece em cena e, no entanto, todos falam dela e é em função dela que o enredo se desenrola. A ela se devem a obsessão e a desgraça de Frédéri, bem como a incapacidade de Rose e da jovem Vivette em se aproximarem dele. Notícias do que essa tal personagem do título - a rapariga de Arles - diz e faz chegam-nos pela boca de outros: de Frédéri, de Marc e do temível Mitifio.
A expressão "l'arlésienne" entrou na linguagem corrente para designar algo ou alguém de quem todos falam, mas que nunca aparece.
A peça foi adaptada à ópera pelo compositor Francesco Cilèa. O libreto, em italiano, segue de perto a peça de Daudet.

sexta-feira, 11 de abril de 2014

O regresso de Lola e Laranjinha

Nos últimos tempos, temos andado muito queer. No fim de Setembro, o Laranjinha quis passar os fins de tarde no São Jorge a consumir cinema LGBT no Queer Lisboa. Foi giríssimo, era só gente linda e fabulosa, espero que tenham ido. Há por aí umas certas homofóbicas – eu bem sei quem são – que iam religiosamente babar-se com as fotografias postas no Facebook. Pois podiam tê-lo feito ao vivo, meninas. Juro, às vezes até me doía ver tanto homem bonito e perfumado junto. O Laranjinha andava delirante, claro.
Adiante.
Inspirado por esses dias de activismo, o Laranjinha passou os dias seguintes a fazer-me ver uma série de outros filmes do género. Para não falar em maratonas de episódios de
Glee escolhidos por ele e que fazia questão de acompanhar com demoradas reflexões sobre o lugar dos gays na televisão.
Daí a irmos a uma discoteca de transformismo, foi um passo. O Laranjinha gosta imenso de ir a uma no Príncipe Real e, eu com aqueles filmes, andava cheia de respeito por essas senhoras. Conheço o Laranjinha há seis anos e, mesmo assim, consegue sempre surpreender-me com algum lugar novo. Pelo menos ali não deveria correr o risco de encontrar o meu tio Abel.

São Quintino - Rita

Rita afastou-se da janela aberta e sentou-se na cama. O quarto estava relativamente fresco naquele início de tarde e Rita reclinou-se. Da rua, praticamente nenhum ruído. Ouvia-se, de quando em quando, um latido longínquo, uma voz.
Estava certa, devia ser aquilo, mas não... Sentia-se mole. O que a fazia tremer, o que a deixava insegura... Sentia-se entediada. Ouvia a mãe cantar em baixo.
Queria fechar os olhos só para não ter de os fixar febrilmente em todos os pontos do quarto. Sem sucesso. Com a mente, desenhava contornos, concentrou-se depois nos detalhes, tentando ser precisa em todos eles. E a voz de alguém que passava na rua calma. A mãe que cantava em baixo. E Cristina, onde estava? Sim, era assim o sorriso. E a voz... Temeu não conseguir lembrar-se. E as mãos...
Rita estendida na cama e a cabeça tão confusa. Uma sensação estranha na barriga, uma vontade de gritar. De correr até... Imaginava como seria aproximar-se e dizer qualquer coisa, sem saber que coisa dizer. E as suas mãos que tremeriam agarrando-se.
O campanário dolente deu as três, despertando Rita do seu torpor. Despertou-a, não a fez esquecer-se de José. José, o povoador de pensamentos.
Rita admitiu para si mesma que estava apaixonada.

Pedro e Carolina 6

- O doutor sabe o que é o amor?
- Sim, Carolina, infelizmente sei o que é o amor...
- É perigoso, temos de ter cuidado com ele.
- E até onde irão esses cuidados?
Este diálogo tinha lugar no jardim de Inverno da casa de Carolina, quando esta se enclausurou terminado o namoro com o outro Pedro. Entretanto, Tomás e Leonor tinham já desastrosamente fugido para Paris e regressado.
- Não me faça responder a essa pergunta já, estou debilitada.