quinta-feira, 23 de junho de 2011

Como nos filmes - o outro lado

Junto à máquina de café, a galhofa era muita. Até que se aproximou alguém que me perguntou:
- Quanto é que custa o café nesta máquina? - E baixou os óculos escuros.
Olhava-me. Estava lançado o momento. Até já lhe estava a ouvir a música.
- Três e... Ah, não, trinta e cinco cêntimos!
Riu-se, olhando-me com uns olhos expressivos que sorriam com a boca.
- Três e...? O quê, cinco? - Os olhos eram grandes e tinham sido descobertos de propósito para me ver melhor (eu sei). E, sobretudo, para me sorrirem. Tudo era generoso naquela pessoa e eu só via os olhos e o sorriso. Apetecia-me gritar por tudo ir tão bem, tão desenhado.
A minha atrapalhação, também parecendo de propósito, não cessava. E os olhos bonitos que tinham propositadamente começado aquilo, riam a cada coisa. Gritar, gritar, gritar. Mas eu sorria apenas, muito, enquanto esperava pelo meu café.
Tantos gritos dentro de mim.
No fim, passando, ainda me sorriu de novo e acenou. Ah.
E pensei de imediato em Solange Garnier que chega a casa e diz à irmã:
Je viens de rencontrer l'homme de ma vie.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Como nos filmes

Ele queria muita coisa, pois queria. Ele dizia que faria isto, que faria aquilo, que faríamos tudo. Tudo, uma fartura. A própria prosa que lhe saía da boca e dos dedos era balofa, transbordando de fartura, expressões rebuscadas que lhe caíam da boca como de uma tigela cheia (muitas que já tinham caído em desuso), complicadíssimas adjectivações, uma tentativa de casar Bernadim Ribeiro com Júlio Dinis. Para recreação própria e para encher os ouvidos e os olhos dos outros. De tanta fartura, havia uma imagem - no meio de tudo o que ele queria, de tudo o que ele faria - particularmente sedutora. Talvez pela simplicidade, que destoava no meio de toda a gordura verbal. Ele que queria tanta coisa e exprimia os seus desejos através de frases impossíveis, soubera juntar meia dúzia de palavras simples e criar uma ideia impregnada de belo.

Isto até ter descoberto que essa imagem repleta de beleza e simplicidade a tinha ido buscar a um filme, omitindo a origem. Percebi logo que era aquela a sua fonte para a única coisa que lhe saíra a direito da boca. Uma pena. Um choque digno de Tatyana Larina que descobre a personalidade de Onegin dispersa pela respectiva biblioteca.
Pois, também recorro a referências. Não lhes omito é a origem.