domingo, 8 de maio de 2011

Carta de Raquel a Julião

Julião,

Parto. Parto e deixo-te esta carta, na esperança de que por uma vez me ouças, coisa que tentei fazer de outras maneiras, mas sem sucesso.
Não posso continuar neste hotel, não posso: é escuro, deprime-me, a entrada não tem um momento de luz que seja durante o dia todo. Pior, não se houve um ruído.
A compensar o que o hotel tinha de feio, eu tinha a tua beleza por perto. Isso bastava-me. A tua barba, os teus olhos tristes, o teu sorriso. A tua barba. (Sim, ainda a sinto na ponta dos dedos.)
Tinha comigo tudo o que em ti me tinha cativado. E por isso vim até aqui, como por isso tinha aceite o teu pedido de casamento. (Uma felicidade indescritível, a tua barba pediu-me em casamento.) Esta cidade, que me entretive a descobrir; este hotel, que me entretive a suportar. Simplesmente porque a tua barba até ele me tinha trazido, a tua barba, o teu sorriso, a tua voz. Isso era razão suficiente para explorar a cidade e suportar o hotel. Todos eles - a tua barba, o teu sorriso, a tua voz - me disseram que precisavas de vir para cá. E eu vim. Porque os tinha comigo.
Eram eles os meus companheiros nestes corredores vazios, nesta entrada verde-escura e deprimente, na sala de jantar que não ultrapassa os 10% de ocupação, nesta gruta de silêncio, enfim.
Mas pior que o silêncio deste hotel, é o teu. E se ele não te permite responder-me, falar-me, fico com a terrível sensação de que tenho apenas os teus olhos, o teu sorriso, a tua barba. Senão os perdi já também.
Não me procures, não me escrevas, não me telefones. Gostaria que o fizesses, mas não o faças. A beleza dos teus olhos tristes já não compensa o hotel silencioso, tal como o teu silêncio já não compensa a beleza da tua barba.

Adeus,
Raquel