quinta-feira, 29 de abril de 2010

O jardim

Ontem pensei no que o sol já significou. Lembrei-me das tardes em que íamos para o jardim da zona de vivendas. Que engenheiro autárquico ou construtor civil teve um acesso de génio e colocou aquele perfeito quadrado de relva com gravilha, arbustos e bancos entre as vivendas desafogadas e burguesas? (A prova de como um director de obras municipais ou um empreiteiro podem ter tanta importância na vida das pessoas.)
Estava tudo tão vazio e soalheiro. Era Primavera e serenidade.

domingo, 25 de abril de 2010

O baile do governador V

Ó menina... não sei se lhe chame ingénua, se engraçada. Foi uma história bem triste essa a da Rosinha, mas não pense que foi por isso que a Beatriz lha contou.
Foi uma noite bonitinha apesar de tudo, teve o seu brilho. Mesmo não passando de um baile de província. Nem o Carlos Bento, o presidente da associação de lojistas, o primeiro a criticar o evento, faltou. Ah sim, que nunca vira coisa mais desapropriada, a de um baile dado pelo governador civil em demonstração de apoio da região ao governo, um desrespeito pelos valores, isso tudo. Pois também ele lá estava, com a sua melhor casaca, desfeito em amabilidades para com a mulher do governador. Todos iguais...
A sua mordaz amiga não poderia ter mais razão nas suas divagações em torno do jovem tenente e dos seus aposentos virados a poente. Sim, uma beleza, um deus - atrevo-me a dizer. E aquele olhar... Tão cheio de algo que nem consigo explicar. Nem eu que já vi tantos lugares e tantos homens diferentes por esse mundo... Digo-lhe, poucos terei visto que igualassem esse oficial em aparência, simpatia e timbre de voz. (Ouvi voz bem preciosa a um cónego em Luanda... Que voz... Que homem... Mas era padre.)
Mas a verdade é que a Beatriz é uma desalmada, não pára quieta. Não foi este o primeiro. Andou aí perdida de amores pelo último governador da monarquia. E sendo mulher do presidente da câmara e tudo, que bonito fica.
Não, não vou voltar agora ao cónego de Luanda, não vem ao caso... Essa desalmada é que é perigosa. Sua ingénua... Então não percebeu em tudo o que ela lhe contou sobre o tenente Zeferino Serrano - descrições muito pormenorizadas pelo que vejo - que estava apaixonadíssima por ele? Odiava a filha do Dr. Gonçalves de morte, claro. Tanto que ficou feliz por ele ser chamado a combater.

sábado, 24 de abril de 2010

Dos leitores.

Hoje ao almoço falávamos de como é difícil encontrar alguém que goste de livros.

"À demain, à demain..."
(Sophie na ópera Werther, acto I)

diálogo #1

Na biblioteca.

T: Desculpa, ainda vais precisar desse livro?
C: Sim, ia requisitá-lo.
T: Ah...
C: Ah, tu não és o amigo da D?
T: Sim... Mas então vais requisitar esse livro?
C: Estava a pensar fazê-lo. Mas preferia requisitar-te a ti.

O tiro

Estou obcecado com essa imagem. O tiro.

Quem o dispara? Quem o dispara?

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Considerações de segunda-feira

Uma daquelas paixões à la Ema Paiva, um pouco fúteis, como pelo amigo de Pedro Dossém de chapéu à Gene Kelly: "esteve apaixonada durante uma semana, a pensar nisso".

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E Luís - a mãe sabia-o - que preferia não pensar no amanhã a pensar e não o querer.

domingo, 18 de abril de 2010

O subúrbio fino e feio

Era de noite. Se Leonor e Gonçalo se tivessem sentado naquele banco, tê-lo-iam feito com mais aprumo. Muito direitos, muito correctos. Mas, claro, os tempos eram outros e eles estavam apaixonados.
Por isso nós não nos sentámos direitos e correctos.
A referência de um remoto casal oitocentista torna-se aliás absurda: essa imagem vale pelo que vale, sem qualquer significado segundo, apenas por ser bela.
Tão bela como a de um banco de jardim num pequeno largo de bairro residencial, à luz intermitente de um candeeiro eléctrico. Até que choveu.
Uma chuva calma e agressiva, própria da estação e do ditado popular, caindo direita. E nós no alpendre de um prédio, atirando cigarros às poças. Víamos chover e chovíamos com ela.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Danse macabre

Podes vir à hora que quiseres, mas eu prefiro o crepúsculo.

sábado, 10 de abril de 2010

Pequeno apontamento


(A Lídia Jorge é um amor.)

domingo, 4 de abril de 2010

Carta de José a seu irmão Álvaro

"(...) fiquei muito contente com a M. A. [filha de Álvaro] que me enviou um postal de boas-festas. Ela e a F. [filha de José] foram as únicas que se lembraram de mim, espero que por muitos anos."

Janeiro de 1975