terça-feira, 28 de julho de 2009

Square Gambetta

São três horas da tarde, ouvem-se as badaladas vindas de um campanário. O sol cobre toda a cidade, sopra persistente o vento tramontano.
Magali está encostada a um dos plátanos do square Gambetta, aquele extenso pedaço de terra amarela que cobre quase toda a praça. Duas filas de plátanos alinham-se de cada lado do terreno, deixando toda aquela vastidão amarela sujeita ao tramontano. Ali mesmo, no meio da cidade.
E Magali (vestida de branco, o branco revolvendo-se em volta dela) encostada ao plátano, olhando sem ver. Saíra de casa num assomo de desespero. Por isso olhava sem ver, tentando controlar as lágrimas.
Na praça deserta entrara Nicolas, que às três badaladas cruzava o square Gambetta na diagonal. Caminhava indiferente ao vento, sem pressa. Magali, oculta na silhueta do plátano, não o via. Magali tão triste pelo que tinha sido e deixara de ser, pelo menos para ela.
Nicolas atravessava a poeira do square, cheio daquela felicidade que só se alcança nos primeiros momentos de uma história que ainda tem tudo para dar. É que Nicolas, após delicadas etapas, tinha enfim tido o acordo dos sentimentos de Jeanne. E era nela que pensava agora, era para ela que decidira deslocar-se até ao castelo para lhe comprar rebuçados coloridos. Algumas palavras podem chegar para descrever o estado de espírito de Nicolas, mas qualquer descrição seria incompleta.
Magali continuava encostada ao plátano, o vestido branco à mercê do tramontano, ela própria à mercê de uma tristeza que lhe parecia imensa. Lembrava-se de Jean-Baptiste e do que ele lhe dizia, da doçura das horas. Lembrava-se, não se queria lembrar, mas queria lembrar-se, revendo momentos, gestos, rescutando palavras. Palavras ainda tão presentes, tão encantadoras. Palavras que agora Jean-Baptiste diria a Amélie, também ela encantada. Um elogio bem elaborado ao brilho dos olhos, à maneira de inclinar o pescoço, talvez.
Palavras que também Nicolas poderia murmurar a Jeanne, por exemplo quando a presenteasse com os rebuçados coloridos comprados no castelo.
Era por isso que Nicolas cruzava o square, obliquamente às filas de plátanos. Era por isso que Magali permanecia encostada ao plátano, alheia.
Faltava surgir a terceira figura daquela tarde: Marc. Marc é primo de Jeanne, tem problemas psíquicos, tem uma paixão por Jeanne. Marc avança pelo square, também ele na diagonal. Marc apressado. Marc tem uma arma de fogo na mão. Marc aproxima-se de Nicolas e chama-o. Nicolas vira-se, vê o primo de Jeanne e cai com um tiro no peito.
O tiro ecoou na praça deserta, veio uma rajada forte do tramontano. Magali demorou a reagir, só aí contornou o plátano para ver Nicolas a viver os seus últimos instantes, sangue ensopando a poeira amarela. Marc afasta-se a correr.
Passava muito pouco das três da tarde no square Gambetta, em Carcassone.

recortes de Aix-en-Provence

Encontrei-me com a Miss Mars em plena cours Mirabeau, em Aix-en-Provence. Estava calor e tomámos café.

sábado, 18 de julho de 2009

L'amant II

Riu-se para si próprio, pelo que a situação tinha de irreal. Se calhar era a luz emanada dos abat-jour amarelos que tornava tudo tão irreal, onírico.
Consumia com os olhos todos os traços físicos e o que com eles fazia.
Encostado ao ombro do outro deitava-se à fantasia, imaginando que não era naquele hotel de janelas chuvosas que estavam.

terça-feira, 14 de julho de 2009

L'amant

Uma manhã de chuva, daquelas que entram tristes pela janela. O céu a oscilar entre o cinzento e o lilás. A luz que entrava fraca e fria, que quase nem parece luz, daquelas que enchem a manhã de tristeza e fazem apetecer mais o calor da cama.
Despertava. Ouviu o som da água a correr no compartimento contíguo e enrolou-se nos lençóis em busca dessa tepidez da cama. O som da água a correr que era tão triste, assim como a alcatifa castanha do chão, o papel de parede amarelado, a mobília escura de traços simples e a manhã que entrava pela janela (o outro tinha aberto as cortinas um pouco).
Por momentos só conseguia pensar na tristeza de tudo, na escuridão da manhã e em como tudo aquilo o deixava tão lasso. E a água que corria.
Pensou na pertinência dos acontecimentos, na sucessão das coisas. Porque tinha o início tanto calor e tanta febre. Porque tinha o fim a tristeza de uma manhã de Outubro em que as rodas dos veículos espalhavam com ruído a água das poças. Bem, pelo menos até ao próximo início, que na melhor das hipóteses seria na noite seguinte.
Era assim que tinham planeado.
(Mas a tristeza da brevidade permanecia - pelo menos para ele que ali estava estendido na cama - presente nos sons da água que corria, nos gestos de apertar o cinto ou arrumar os óculos na cara.)

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Notas para Diocleciano

Reconheci-lhe logo uma propensão para o exagero. Talvez um pouco como Diocleciano. Que vestia calções de banho de cores garridas e gostava de dar as suas tiradas sarcásticas.
Naquele dia os calções eram verdes, verde-relva, e Diocleciano enterrava os pés na areia para se surpreender em seguida com a beleza das suas formas, num acesso de narcisismo.
Diocleciano que, no seu à-vontade e despreocupação (mas tão adorável, tão inocente), se deixara surpreender pela instabilidade emocional. Por um interior a revolver-se em questões e vontades. Que nem uma Tatyana.
Deitado sobre a toalha, os olhos fechados e o sol aquecendo-o. Todo aquele quadro de placidez e calor que não deixava adivinhar o turvo interior.
No final do dia, Diocleciano estava morto. Ainda não sei bem como.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

crónicas

Das coisas mais acertadas que tenho dito ultimamente:
"Vou só tentar não ficar muito crazy about it."

quinta-feira, 2 de julho de 2009

chante avec moi

Já passou quase um mês, mas quero deixar transcritas as sensações daquele final de noite. Não terminou com uma imagem de harmonia como a de "Helena a ser depositada no relvado de uma vivenda", mas com um sensação de calma, feliz placidez... de dever cumprido e a possibilidade de algum descanso após umas boas gargalhadas.


"Pour te séduire, je veux sourire, je veux chanter."
(Dinorah na ópera Dinorah, acto II)

quarta-feira, 1 de julho de 2009

não quero dar nome a este.

E antes de me vir embora... As meninas de lágrimas nos olhos. César Malaca a dizer-me coisas bonitas. Lá estava eu armado em tough guy. Mas devia ter retribuído palavras tão elogiosas. Porque ser Chevalier é também ficar muito sensibilizado, ainda que a atrapalhação inicial não ajude às reacções. Para que conste.
Gosto de ser surpreendido desta maneira.


"Voyons, Manon, plus de chimères..."
(Manon na ópera Manon, acto I)